terça-feira, 3 de maio de 2011

O Vale do Ribeira - Registro, Iguape e Jacupiranga





Olá,

Este post será mais um relatório de um campo realizado com o Professor Júlio César Suzuki, disciplina de Geografia Agrária I da USP.

Tínhamos como destino as cidades de Iguape, Registro e Jacupiranga. Nosso objeto de estudo era analisar historicamente a formação da região, em Iguape; conhecer uma fábrica de chás e analisar o desenvolvimento urbano de Registro; e conhecermos uma comunidade quilombola que sobrevive da plantação e venda de bananas, em Jacupiranga.

A estrada – BR-116 / Régis Bittencourt

Saindo da cidade de São Paulo pela Zona Sul em direção ao Sul do país, é duplicada até o corte da Serra do Cafezal. É uma estrada razoavelmente conservada até este ponto, com grande movimentação de caminhões e motoristas que desrespeitam limites de velocidade. Há em alguns pontos locais de venda de frutas e verduras pela estrada, e alguns bons restaurantes para aquele almoço de domingo na região de Embu das Artes e Itapecirica da Serra.

Após o pedágio de São Lourenço da Serra, a estrada começa a perder altitude e começa a adentrar a mata atlântica. Após alguns quilômetros, acaba a duplicação e começa-se a descer a Serra do Cafezal. Neste ponto, a estrada está um pouco mais mal-conservada, e os motoristas fazem ultrapassagens arriscadas, em pontos que não se enxerga quem está vindo em sentido contrário e em alta velocidade. O visual é muito bonito: do lado oeste, há vários morros com formações de rochas cristalinas e corredeiras que alimentam o Ribeirão do Caçador, importante bacia hidrográfica da região; do lado leste, avistam-se diversos abismos da serra do mar, e também corredeiras. Em alguns locais, há obras de duplicação da rodovia e alguns pontos já duplicados, porém interditados por queda de barreiras pelas fortes chuvas que atingem a região. Mesmo com as contenções realizadas nas barreiras, a grande quantidade de chuvas e o solo extremamente instável fazem com que elas não sejam suficientes.

Serra do Cafezal, direção Norte

Depois da Serra do Cafezal, a estrada volta a ser duplicada, e nesse ponto se encontra a cidade de Miracatu. Diferentemente do planalto paulistano, a altitude varia entre 20 à 50 metros, com a planície litorânea avançando em direção ao interior por até 200 quilômetros da costa.

Em Jacupiranga, já podemos perceber que a estrada começa a ganhar altitude novamente, pois a serra do mar volta a se formar na região de Cajati.

Iguape

Para chegarmos à Iguape, tivemos de sair da BR-116 e entrar na SP-222 em direção ao litoral. São aproximadamente 50km de estrada cortando a serra do mar, bastantes sinuosos. O acesso é um tanto quanto precário, podemos dizer. No trajeto, podemos verificar as primeiras escarpas cristalinas que dão origem à famosa Serra do Mar de São Paulo.

Iguape é uma cidade histórica, formada no século XVII para receber os carregamentos de ouro de aluvião provenientes do Vale do Ribeira. O porto de Iguape era tão importante quanto o de Paraty, e as construções se assemelham muito à irmã do Rio de Janeiro.

Construções históricas do centro de Iguape

Como cidade-turística, há algumas pequenas pousadas e restaurantes no centro da cidade, lojas de artesanato, a Catedral barroca no largo central e algumas igrejas mais antigas espalhadas pelas ruas. Apesar disso, não há muita visitação de turistas ao local – provavelmente pelo fato do Vale do Ribeira ser muito carente de infraestrutura e não apresentar planejamento e investimento turístico, e o acesso à cidade ser um pouco difícil.

Construção em taipa

Ao Norte da cidade encontramos o antigo porto, realizado a partir da construção do canal de “Valo Grande”, um desvio realizado no rio Ribeira de Iguape até o mar de Iguape. Porém, após alguns anos de utilização do porto, o canal teve de ser inutilizado pelos barcos pois houve muito assoreamento no local, fazendo com que algumas embarcações ficassem presas ao fundo do leito. Pregado aos restos de uma antiga casa de taipa, encontrei uma placa escrito “Porto General Osório”; não sei se este é o nome original do local, mas vale guardar.

Porto General Osório

Dentro da Catedral de Iguape, há uma imagem de Cristo pregado na cruz entalhado em madeira, e habitantes relatam uma lenda a respeito da imagem. Ela foi encontrada na praia de Iguape, dentro de uma caixa de madeira com vidros de azeite – supostamente, ela teria sido retirada de uma embarcação que estaria chegando à costa e sendo atacada. Os habitantes locais retiraram a imagem da caixa e colocaram ela em pé, com sua frente à leste; no dia seguinte, a imagem estava virada com sua frente para oeste. Decidiram retirar ela do local e levar para Ilha Comprida, porém a cada passo que os carregadores avançavam com ela, sentiam a imagem ficar cada vez mais pesada; decidiram voltar para Iguape, e ela se tornava mais leve quanto mais chegavam próximos à cidade. Assim, construíram a primeira Igreja do local e instalaram a imagem dentro dela, tido como santa desde então.

Catedral

Registro

Chá Ribeira

A primeira parada na cidade de Registro foi na fábrica de chás “Chá Ribeira”.

A fábrica começou a funcionar na década de 30, ainda como uma formação de camponeses que trouxeram mudas de chá verde da Ásia para o Brasil escondidas em miolos de pão, pois não era permitido – o governo não queria que houvesse algum problema na produção interna, com a entrada de novas espécies.

Primeira área plantada com as mudas de chá trazidas na década de 30

Inicialmente, a cultura do chá seria utilizada para exportação. Apesar da região ser extremamente favorável para o plantio e os camponeses estarem empenhados na produção, não houve como competir com a produção asiática, de melhor qualidade e sabor no chá. Após o fracasso, a produção foi voltada para comércio interno.

Curiosamente, a folha do chá não possui cheiro nem sabor diferentes de uma folha comum – é preciso beneficiá-la para que adquira o blend de um chá verde. A plantação também precisa ficar próxima ao local de beneficiamento, pois não é preciso de muito tempo para após a colheita, as folhas murcharem e perderem a característica que faz o chá.

Atualmente, a fábrica perdeu completamente o aspecto de trabalho camponês e de agricultura familiar. Há diversas máquinas de poda e colheita nas garagens, e os agricultores foram terceirizados.

A cidade

Está localizada às margens da BR-116, e seu núcleo central está à Oeste da rodovia. Com uma altitude de aproximadamente 30 metros acima do nível do mar, é possível sentir a maresia e o clima é quente e úmido, pela grande área de mata atlântica que há na região. À noroeste da cidade, encontra-se o Rio Ribeira de Iguape, último grande rio do estado de São Paulo (em direção ao Sul), desaguando em Iguape.

Atualmente, é um pólo integrador dos municípios da região. Com aproximadamente 60 mil habitantes, a cidade possui vasto comércio, rede hoteleira, indústrias e universidades. Com a agricultura sendo a principal atividade econômica da região, a UNESP instalou recentemente um campus experimental na cidade, com o curso de Agricultura. É possível verificar o aparecimento de regiões de periferia nos bairros mais afastados do centro.

Durante o dia, o centro é bem movimentado e as lojas são cheias; porém após as 18h, o movimento cessa e tudo fica deserto. Somente alguns restaurantes ficam abertos pela noite, e há alguns barzinhos próximos ao rio Ribeira de Iguape, local frequentado pela população jovem da cidade.

Principal avenida do centro de Registro


Olha a banana, olha o bananeiro!

Quilombo Poça – Jacupiranga

No dia seguinte, o destino era o Quilombo Poça, localizado entre as cidades de Jacupiranga e Eldorado.

Placa de reconhecimento do Quilombo

O Quilombo foi reconhecido pelo Estado em 2008, após a comprovação da comunidade exercida pelos moradores do local; grande parte da comunidade leva o sobrenome “Rosa”, indicando laços familiares sendo formados entre as famílias por algumas gerações. Apesar de haver diversos “terceiros” na região, o governo delimitou as áreas e alguns deles serão desapropriados.

Por levantamentos em documentos históricos, o quilombo começou a ser formado na década de 1850. Um dos principais fundadores do local foi Joaquim da Costa Campos, com memoriais descritivos das terras da região datados de 1856. Este quilombo, assim como ínumeros outros existentes no Vale do Ribeira, possivelmente foi criado por escravos negros fugitivos dos processos de escravização, formando grupos e iniciando um processo de acamponesamento.

A partir da década de 60, com a abertura da Régis Bittencourt, a área começa a se integrar comercialmente com as cidades vizinhas, como Registro e Cajati. Há relatos de alguns moradores que emigram para essas áreas.

Antes de ser delimitado como Quilombo, os moradores da comunidade podiam vender os lotes para outras pessoas, e alguns desses aproveitaram o momento para expandir suas propriedades e suas plantações. Após a proibição de venda e futura desapropriação de quem está na faixa do Quilombo, a comunidade passa por problemas de relacionamento com esses “terceiros”, principalmente no que tange ao abastecimento de água e utilização de inseticidas nas plantações: com o uso de inseticidas pelos agricultores, os riachos estão contaminados na parte baixa e acessível do vale, enquanto que as nascentes estão localizadas nas terras dos agricultores – estes, por sua vez, como retaliação às desapropriações acabam cortando o suprimento de água vinda das nascentes por mangueiras instaladas para o abastecimento, já que elas passam por dentro das propriedades.

O bananal, ocupando todo o espaço produtivo do vale

A comunidade possui algumas árvores frutíferas e criação de pequenos animais como galinhas, para consumo próprio. Porém o principal sustento vem da banana, e para todo lugar que se olha são quilômetros de plantação. As bananeiras necessitam de clima úmido e quente, e não podem ser criadas em encostas pois o peso dos cachos de banana podem fazer com que a árvore não aguente e caia antes dos frutos amadurecerem para a colheita.

A plantação ocupa o espaço até as bordas dos morros

Conforme relatos de moradores, a comunidade hoje sofre com a falta de infraestrutura e de equipamentos para a colheita e transporte das bananas, sendo necessária a utilização de “atravessadores” que compram a produção e transportam para São Paulo para a venda. Sofrem também de falta de postos de saúde e escolas próximas ao quilombo, apesar de até a década de 70 haver um pronto socorro na beira da SP-194, porta de entrada do quilombo.

Atualmente, a comunidade conta com um galpão onde há um telecentro instalado com alguns computadores, uma pequena biblioteca e um espaço para festas e reuniões do grupo.

Para aqueles que quiserem saber mais a respeito da formação do Quilombo e da comunidade, acessem:

http://www.itesp.sp.gov.br/br/info/acoes/rtc/RTC_Poca.pdf


Até a próxima!